a internet é o diabo até você fazer um pacto
ou Petrobrás patrocina show do Metallica em Teerã
As notícias da crise dos jornais nos EUA e no Reino Unido continuam saindo. Não passa uma semana sem que um jornal esteja a beira da falência, até o New York Times está com problemas. Com jornais parando as máquinas indefinidamente, um culpado logicamente é preciso ser encontrado.
E como todo mal dos anos 2000, o culpado é a internet. Serviços como Google e Huffington Post recebem acusações de terem seu dedo fundo na ferida dos jornais e estarem contribuindo ativamente com suas mortes; por estarem apenas repassando conteúdo de propriedade dos jornais. Blogueiros, twitteiros e outros “eiros” da web também recebem parte da culpa.
Para as redes sociais e outros tipos de geração de conteúdo colaborativo a acusação é mais grave: Não estão apenas roubando a atenção dos meios tradicionais (não só jornais mas também rádio e TV), como estão fazendo isso com um conteúdo de “qualidade não comprovada”.
São duas acusações básicas espalhadas a esmo:
- Copiar seu conteúdo e passar pra frente
- Produzir conteúdo porcaria, porque você não tem diploma é profissional e não tem uma instituição de renome por trás
E então veio a crise no Irã. E o fim da obrigatoriedade do diploma. E aconteceu isso aqui com a imprensa e os jornalistas:
De repente, jornalistas não podem mais fazer seu trabalho e são impedidos de reportarem, com ameaças às suas vidas. Aparentemente segundo o governo do Irã, jornalistas não produzem conteúdo de “qualidade comprovada”. E quem ajuda? Exatamente, as mídias sociais. Aquelas mesma que estavam roubando a atenção dos jornais com conteúdo porcaria. Agora estão ajudando a alimentá-los. De repente o Twitter é o herói. Com seu novo canal, CitizenTube, o YouTube é praticamente vanguardista. Sem essas ferramentas, inúmeros protestos não seriam organizados e nós jamais saberíamos o que está acontecendo, apenas boatos.
Para o break, vamos ao mundo da música, lá em 2000:
Lembram disso? Eu lembro, com um gosto bem amargo na boca. Agora o Metallica disponibiliza shows em um site dedicado a isso, que requer um arcaico cadastro para download ao invés de fazer um streaming com opção de download. E ainda por cima, Lars Ulrich, a estrela do vídeo acima tenta sair por cima da carne seca como visionário do conteúdo gerado por usuário:
“This is the next logical step in a process that began back in 1991 when we first implemented the ‘Taper Section’ at our shows, where the fans were encouraged to bring in their own gear to record the show, and then take home their very own ‘bootleg’ of the concert they had just seen.“
Infelizmente a idéia dele não é criar uma comunidade onde fãs possam trocar vídeos e áudio dos shows a vontade em adição ao conteúdo oficial. E sim fazer com que os fãs parem de gravar e vão ao site comprar o material oficial (a partir de US$9.95, pelo MP3).
“This technology will enable our fans to get the best possible recording of the show, without having to hold a microphone in the air for the entire night!”
Revolucionário, não? Também, o que esperar de uma banda que tem um site pior que uma página de MySpace e com gifs animados?
No universo musical há bandas muito mais espertas que isso que conseguem usar bem a internet a seu favor e a favor dos fãs. De cabeça vêm Radiohead e Nine Inch Nails. E eles são tão bons que nem vou postar links, gente foda não precisa de link, é só googlar.
Apagando incêndio com petróleo
Ao divulgar na íntegra perguntas e respostas de entrevistas feitas a ela, a Petrobrás bem que tentou usar a internet a seu favor de uma maneira simples e ao mesmo tempo inovadora. Ao menos para os padrões da imprensa brasileira. Longe de mim defender corporações, elas têm defesa o suficiente. Mas, acuada, acreditando que o “furo” ainda é seu maior trunfo, a imprensa esperneou tanto que a petrolífera acabou cedendo parcialmente e só irá publicar a informação depois da publicação no respectivo veículo. Numa época em que um celular é ferramenta de notícias, acreditar que furo é um trunfo é dar tiro no pé.

remember the hudson
Uma entrevista é um acordo. O entrevistado tem tanto direito a divulgar as perguntas e respostas quanto o entrevistador. Nas poucas entrevistas que dei, fiz questão de gravar por completo, para no caso de me sentir prejudicado, ter os meios de me defender. Claro que minha imagem já não é lá essas coisas, então não senti a necessidade de colocar a tática em prática.
O que importa é o papel
Enquanto os veículos em si vêem sua hegemonia ameaçada; jornalistas crêem que estarão no olho da rua até o fim da semana -- em especial agora que no Brasil não é preciso diploma para exercer a profissão de jornalismo. O Estadão começou uma nova campanha, que apesar de ter um principio interessante e positivo, cai na mesmice ao fazer jogos semânticos dizendo separando informação de conhecimento:
Curioso ver o contraponto entre o sujeito usando a internet para adquirir “informação” e o outro pegando um diploma para adquirir “conhecimento”. Isso cai como uma luva para os jornalistas e estudantes de jornalismo que ainda dizem que o valor está no papel que eles receberam, não o que eles produzem. Se conhecimento fica, vale lembrar outra campanha do Estadão, essa, bem menos positiva:
Eu não tenho nada contra jornalistas ou seus diplomas. Gostaria inclusive de dar-lhes as boas-vindas, agora que se juntaram a mim em uma das inúmeras classes onde diploma universitário não é exigido. Eu sou a favor é de trabalho bem-feito. Vou dar uma dica: É assim que vencemos os não-diplomados que só fazem porcaria. Os não-diplomados que fazem um bom trabalho merecem um grande parabéns. E os diplomados que fazem porcaria que por favor se retirem.
Prelo digital
A transição de um negócio “tradicional” para um modelo que comporte a internet me parece ser composta dos seguintes passos:
- A internet está acabando com meu negócio/emprego
- Vou processar/protestar contra a internet
- Não adianta, são muitas pessoas/entidades
- Essa internet não vai embora mesmo, né?
- Ok, vou fazer negócio com essa tal de internet
Inúmeros negócios de comunicação, cultura, informação e produção estão lutando com essa adaptação. Em diferentes estágios. E sempre o que causa mais barulho é o segundo, mas o que dá menos retorno. De maneira nenhuma é uma transição fácil, se fosse, todos viveríamos na Alegrolândia digital. Embora muitos estejam, não é trabalho do usuário ou do consumidor descobrir o caminho. É sim do produtor, de acordo com a demanda do usuário.
O caso do Irã é curioso pois o fornecedor se tornou o consumidor e repassador. Segundo os defensores do diploma, absolutamente nada que eles dizem ou gravam tem valor como conhecimento. E pela lógica de Ulrich, eles estão roubando o que é dos twitteiros por direito, um abuso.
Tentei encontrar o texto em que Arianna Huffington diz que o que importa não é salvar jornais, mas sim jornalismo. Vocês terão que confiar em mim. E não poderia concordar mais. Não importa o meio ou formato que a informação toma, desde que seja passada adiante.
Parto então com uma citação de Huffington no Weeby Awards:
“i didn’t kill newspapers, ok?”
Napster Bad (the Metallicops) – http://www.youtube.com/watch?v=VIuR5TNyL8Y by CampChaos
@laconics
23 Jun 09 at 00:07
o diploma se tornou obrigatório durante a ditadura – para limitar no. de pessoas que escreveriam nos jornais. #LeideImprensa
@laconics
23 Jun 09 at 00:12
Belo texto!
Concordo em gênero, número e grau!
Fabiano Pereira
23 Jun 09 at 00:26
Mais um ótimo texto.
Acho que esse pessoal da velha mídia tem muito medo de uma revolução, só que o que está acontecendo é apenas a evolução.
O único porém é que, infelizmente (para eles), as coisas (os meios, os recursos etc) evoluíram de uma maneira que agora eles não tem mais o controle absoluto.
Isso é muito perigoso.
Viva a Evolução !
Brunno Gomes
23 Jun 09 at 02:01
Ah… os momentos de crise.
São sempre tão importantes. São nesses momentos em que as coisas são reinventadas para se estabelecerem novamente. Até serem abaladas de novo, em um movimento constante e repetitivo.
Normalmente nesses momentos temos duas reações: ficar com medo e profetizar. A mudança causa sempre medo e ansiedade pelo novo. No fim do dia notaremos que, sim, as coisas mudaram, mas também nem tanto assim. E, em relação ao que mudou, soubemos muito bem nos adaptar.
Vamos lá:
1 – Não vejo relação entre a obrigatoriedade do diploma e qualquer tipo de censura. Para manifestar a sua opinião publicamente nunca foi necessário ser jornalista.
2 – O mercado não vai mudar em nada com essa nova decisão. Como muitos já falaram por aí exaustivamente, o diploma nunca foi o fator decisivo em uma entrevista de emprego. A gente sabe que nos EUA, Inglaterra, Itália, França e diversos outros países o diploma também não é obrigatório.
3 – É preciso entender que as faculdades de jornalismo ensinam (e devem ensinar) muito mais do que simplesmente como escrever em um jornal.
4 – Os jornais não vão acabar. “O fim do jornalismo”, “O fim do disco”, “O fim do cinema”, “O fim do rock” para mim sempre soam com manchete de tablóide. O que se discute nesse momento é qual será o novo papel dos jornais. E quando digo “papel” não falo do seu suporte. Aliás, ao contrário do que muitos imaginam, nunca se imprimiu tanto papel (em diversos formatos) como hoje. Ou seja, não estamos falando de uma substituição de suportes.
5 – A história já nos ensinou muitas vezes que não é uma boa ideia pensarmos em SUBSTITUIÇÃO. Os iranianos que estão relatando (que é diferente de COBRIR) as manifestações pelo Twitter não vão substituir os jornalistas. Nesse caso faz muito mais sentido se pensarmos em complementaridade. Estamos falando de adaptação, de novos contextos.
6 -Nem toda a mídia tradicional é feita por pessoas tacanhas. Exemplos? http://www.huffingtonpost.com/off-the-bus/ e http://mps-expenses.guardian.co.uk E isso para citar só alguns e para mostrar que tem muita gente entendendo o recado que está sendo dado. A “mídia tradicional” que hoje em dia adoramos meter o pau e afirmar como símbolo de atraso já provou outras vezes que sabe se reinventar. É errado achar que ela é feita por pessoas com camisa social amassada e com a barba amarelada de cigarros. Assim como em diversas outras áreas, os jornalistas estão descobrindo e tentando entender esse nem -tão-mais-novo-assim território.
Sérgio Rosa
23 Jun 09 at 13:51
Faltou só dizer que os jornalistas de guerra (especialmente os fotojornalistas) também estão em extinção… mas a culpa não é da Internet, mas do Irã, dos EUA, da crise do jornalismo etc.
http://rising.blackstar.com/five-reasons-war-photographers-are-an-endangered-species.html
Renato Targa
23 Jun 09 at 18:36